O debate em torno das práticas relacionadas à morte digna e ao direito à autodeterminação em questões de saúde tem sido objeto de intensa discussão no campo da Bioética e do Direito Médico. Entre os temas mais controversos estão a eutanásia, a distanásia, e a ortotanásia, cada um com nuances e implicações éticas e legais distintas.
Neste artigo, serão abordadas as diferenças entre esses conceitos e as responsabilidades médicas associadas a cada um deles, analisando os desafios éticos e jurídicos que envolvem a tomada de decisões no fim da vida. Ao compreender melhor essas práticas e suas implicações, é possível contribuir para um debate mais informado e ético sobre o direito à morte digna e o papel dos profissionais de saúde nesse contexto.
EUTANÁSIA
A eutanásia consiste na conduta em que, geralmente, um profissional da saúde auxilia diretamente na morte indolor do paciente, por meio de aceitação voluntária do enfermo ou de seus familiares, como, por exemplo, um médico que administra uma dose letal de medicamento a um paciente em estado incurável com sofrimento intenso e que expressou o desejo de não prolongar sua vida artificialmente.
Em que pese não existir o crime específico da eutanásia, os estudiosos entendem que se trata de um homicídio privilegiado em razão do relevante valor moral. O homicídio privilegiado é uma forma de homicídio prevista no Código Penal Brasileiro, em que o agente comete esse delito por motivo de relevante valor moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, podendo ter sua pena atenuada. Especificamente quanto ao relevante valor moral, o agente atua movido por uma causa nobre, aprovada pela moralidade média. Consequentemente, nesse contexto, se enquadra a eutanásia, pois matar para aliviar a dor de outro, é compreensível pela sociedade.
SUICÍDIO ASSISTIDO
É crucial ter cautela para evitar confusão entre o conceito de eutanásia e a prática do suicídio assistido.
O suicídio assistido consiste no ato no qual um indivíduo fornece os meios ou assistência para outra pessoa cometer suicídio, geralmente com o objetivo de aliviar o sofrimento de uma doença terminal ou condição médica grave ou incapacitante, podendo configurar o crime de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação, previsto no art. 122 do Código Penal.
Dessa forma, considerando o contexto da prática médica, o suicídio assistido é feito pelo próprio paciente via assistência médica, como a situação em que o profissional da saúde prescreve injeção letal para que o próprio paciente administre-a em si. De maneira diversa, a eutanásia (como explicado acima) é realizada diretamente pelo médico.
DISTANÁSIA
A distanásia, por outro lado, busca prolongar a vida do paciente, mesmo que ele esteja sofrendo de uma doença incurável e terminal, onde a morte é inevitável. Ao invés de antecipar a morte de forma indolor, como na eutanásia, a distanásia prolonga artificialmente a vida biológica de uma pessoa, buscando-se, mesmo que indiretamente, estender seu sofrimento por meio de atos ineficientes. Um exemplo prático desse instituto consiste na utilização de ventilação mecânica, alimentação por tubo ou drogas vasoativas, causando sofrimento ao enfermo em estado incurável.
Trata-se de conduta que, apesar de não ser crime, é considerada antiética por alguns estudiosos.
ORTOTANÁSIA
Por fim, a ortotanásia é totalmente contrária à distanásia.
Utiliza-se não mais de métodos científicos e aparelhos modernos para que a pessoa sobreviva a todo custo, mas sim, deixa-se que a vida e a morte sigam seu ciclo natural, não se confundindo com a omissão ou abandono. Isso porque, somente se permite que o enfermo morra naturalmente após serem ofertados todos os cuidados possíveis.
Nesse caso, o paciente já foi submetido aos tratamentos possíveis, mas devido à gravidade de seu estado de saúde não há mais nenhum método cabível. Desse modo, não consiste na conduta de tirar a vida do paciente através de métodos indolores, como na eutanásia, mas sim, permitir que a enfermidade se desenvolva sem nenhuma intervenção médica.
Portanto, o objetivo da ortotanásia é contribuir com o processo natural da morte, visando o bem-estar do paciente nos últimos momentos de vida, apenas aliviando a sua dor. Trata-se não só de conduta permitida no Brasil, mas recomendada.
O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA E A ORTOTANÁSIA
A Resolução n° 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina visa ampliar a autonomia do médico para decidir sobre a viabilidade de interromper o tratamento de um paciente em fase terminal. Nesse contexto, o médico pode optar por restringir ou interromper procedimentos que mantenham a vida do paciente, assegurando-lhe os cuidados essenciais para aliviar os sintomas que causam sofrimento.
Nesse sentido, dispõe que:
Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.
Como percebe-se no artigo supracitado, é facultado ao médico suspender o tratamento que prolongue a vida do paciente, desde que compatível com o caso concreto e a depender de determinados requisitos cumulativos que devem ser observados para que seja permitida a prática da ortotanásia:
Assim, para proceder com a ortotanásia, o paciente deve receber alguns cuidados médicos para aliviar seu sofrimento (CFM, 2006):
Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar.
Além disso, o Código de Ética Médica reconhece expressamente a autonomia do paciente terminal que não deseja seguir com o tratamento que o mantém vivo. Verifica-se, primeiramente, que é vedado ao médico encurtar a vida do paciente, mesmo que a pedido deste. Por outro lado, ressalta-se que, nos casos de doenças incuráveis, o médico tem o dever de oferecer os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade do enfermo.
Portanto, entende-se que a vida é um direito irrenunciável e inviolável, devendo ser protegida não só de atos do Poder Público, mas também de seu próprio titular. Se a vida, por um lado, não é um bem jurídico disponível, é inviável, em contrapartida, impor às pessoas uma obrigação de viver a todo custo, o que significa, assim, que, morrer dignamente, nada mais é do que um resultado lógico do princípio da dignidade da pessoa humana.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto-Lei n° 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, 31 dez. 1940.
CAPUTO, Rodrigo Feliciano. O homem e suas representações sobre a morte e o morrer: Um percurso histórico. Saber Acadêmico, Presidente Prudente/SP, v. 20, n. 6, p.73-80, 06 dez. 2008. Semestral. Disponível em: <http://uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20180403124306.pdf>. Acesso em: 28 out. 2018.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução n.1.805/2006. Brasília: CFM, 2006. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2006/1805_2006.htm>. Acesso em: 01 nov. 2018.
DORIGON, Alessandro. O direito de morrer com dignidade: Um estudo sobre a eutanásia, ortotanásia e o suicídio assistido. Disponível em <http://conteudojuridico.com.br/index.php?artigos&ver=2.590355> acesso em 08 de set. de 2018.
Artigo escrito por: Ana Carolina Alvarenga Queiroz, advogada, OAB/MG 228.062